Quem vigia os vigilantes?

No começo do ano, houve a estréia de um dos melhores filmes de super-heróis já feitos, e, na minha opinião, a melhor adaptação de um comic book para o cinema, que seria Watchmen.


Ambientado na década de 80, tendo como pano de fundo os conflitos da Guerra Fria, citando a Guerra do Vietnã e um fictício 3º mandato do presidente Nixon, Watchmen conta história de um grupo de vigilantes, heróis de capa e máscara, que tinham a premissa inicial "lutar contra as injustiças do mundo contemporâneo". No enredo, heróis estavam sendo caçados pelo governo (posto que suas atividades tinham sido proibidas, devido aos atos excusos de alguns justiceiros) e por um "assassino de fantasiados" que estava matando heróis um por um. Apresentando temas sérios como deturpação social, estupro e realidades de uma guerra, Watchmen mostra-se como uma história sóbria, acerca de uma sociedade decadente cujo barril de pólvora estava para estourar, explorando uma complexidade direcionada a adultos e fugindo das histórias de super-heróis feitas para crianças.

Mas sem dúvida, um dos fatores mais inteligentes impressos em Watchmen seria a análise psicológica e a introspecção de seus personagens. Ver atos heróicos e destemidos de homens com capa e de cueca em cima da calça, destruindo meteoros em rota de colisão com a Terra, salvando mocinhas sequetradas por bandidos, ou arruinando o plano de vilões psicopatas, terminando tudo em um mundo perfeito e inocente é uma coisa. Ver o que pensa e os conflitos psicológicos desses personagens é outra coisa. E ver o que se passa na cabeça de heróis que tem em seu comportamento a interferência de uma sociedade doente, marcada pelas drogas, violência e a intolerância em todos os sentidos; além de um mundo abarrotado de conflitos, na iminência de outra guerra mundial; e outras situações próximas da NOSSA realidade já seria uma coisa de diferença singular.

A frase que marca a história é "Who watches the Watchmen?" (Quem vigia os Vigilantes?). Mais do que uma frase repetida por aqueles que criticavam a existência de justiceiros mascarados, essa questão sintetiza o drama vivido pelos heróis. Com todas as complicações de sua vida pessoal (no que se refere a suas identidades secretas), desde problemas familiares e entre eles, passando pelo contexto do mundo em que viviam, os personagens encontram-se DESACREDITADOS da sociedade a qual pertenciam, e verdadeiramente CANSADOS de seu heroísmo. É compreensível, afinal como prosseguir com uma ação que não lhe dava nenhum bom retorno?! Eles olhavam pelo bem comum, pela vida das pessoas ao resolver os entraves cotidianos, mas quem olhava pelas
suas vidas e se preocupava com seus problemas?

Em uma interessante cena, Rorschach, ao visitar o túmulo do a pouco falecido Comediante, conta uma "piada" que descreve bem o drama principal: "
Homem vai ao médico. Diz que está deprimido. Diz que a vida parece dura e cruel. Conta que se sente só num mundo ameaçador onde o que se anuncia é vago e incerto. O médico diz: 'Tratamento é simples. O grande palhaço Pagliacci está na cidade. Assista ao espetáculo. Isso deve animá-lo'. O homem se desfaz em lágrimas e diz: 'Mas, doutor, eu sou o Pagliacci.'" Esta passagem de Pagliacci não sei se existe, mas o personagem sim. É o protagonista de uma ópera homônima, que trata do grande palhaço que a todos faz rir com sucesso, porém vive o conflito interior da infidelidade de sua amada. O fim da história é de tragédia, que eu não vou "spoilar" aqui. Daí se tira, fazer rir para os comediantes é algo estremamente fácil e é disso que eles tiram sua própria felicidade, pois fazê-los rir com a convicção com que provocam risadas é uma complexidade diferente. E mais uma vez, o palhaço está lá fazendo centenas ou milhares felizes, mas quem pretende fazer o palhaço rir? Quem o palhaço vai procurar pra esquecer seus problemas?

E os pensadores? O que farão quando estiverem cansados? Eu estive. Nota-se, claro, pela ausência aqui, sem pisar no blog por quase dois anos. Nossa! Mas é fato, muito aconteceu neste tempo. Reviravoltas loucas que demoraria muito pra relatar e no fim, a quem interessaria? Tive muito no que pensar, não parei, mas tive que direcionar e dividir meus pensamentos e fiquei sem motivação para retornar aqui. Cansei! Cansei de um dos atos que me definem e está obviamente na essência deste blog, que é pensar! Tive vontade de parar de pensar, não para agir descontroladamente (o que talvez fosse bom em alguns momentos, agir sem pensar ao invés de calcular tudo precisamente), mas parar mesmo. Mas não o fiz e continuo pensando. Em como lidar com as decisões que tomei e formular as que tomarei, que é o que mais me consome células cerebrais. Mas dessa vez vou tentar direcionar aqui um pouquinho. Sim, isto é um retorno, pois acredito que daqui possam sair algumas coisas boas.

E, afinal, eu vivo num mundo bem conformado (não que eu deva deixar de me preocupar com os problemas mundiais, mas não tornar isso uma tempestade num copo d'água), não tenho a vida dura que leva a maioria das pessoas, hoje no globo. Não vivo nos anos 80 (ainda que quisesse), posso ser palhaço na essência, mas não sou super-herói..

... ainda que quisesse! ;D




PS: que venham posts mais de bem com a vida e histórias criativas, pois eu já vi que no meu curso de arquitetura, criatividade é tudo e "pensar menos e agir mais" é um conselho/bronca que já recebi de um professor!

3 pensamentos diferentes:

_-CinestudiO-_ disse...

Sem dúvida um dos melhores filmes do ano, Zack Snyder consegue se superar a cada produção! Acho que nunca tive essa sensação de achar que todos os personagens q "lia" ganharam vida. São idênticos pow! IMORAL, fora a qualidade técnica impecável do filme (Y) ;)

>forte candidato ao cinestudio cine prêmio desse ano (Y)

P.S.: ainda bem q as palavras voltaram a preencher os espaços por aqui...tava na hora ;)

Projeto de Arquiteta disse...

Não sei quanto a fidelidade ao quadrinho porque eu ainda não li... Mas irei ler :P

Realmente é um filme muito bom... Já vi várias pessoas dizendo que não tinham gostado, mas acho que elas não devem ter entendido a essência da história...

Quanto ao Pagliacci... Eu sempre gostei dessa história... Gosto muito de personagens com esse tipo de conflito interno...

Não deixe o blog cair no esquecimento ;)

AlesiNaoTemR disse...

Como talvez você me pudesse me dizer, numa alusão a uma das frases de Sheldon, "Se você passasse menos tempo socializando no midway e mais tempo lendo meu blog, não teríamos que ter essa conversa sobre a comparação entre a piada que Rorsharch conta sobre aquele palhaço e o modo de vida dos vigilantes em Watchmen" =P
O bom da obra são essas auto-alusões. Segundo alisson, existe uma alusão ao drama de Ozymandias na história dos piratas, e outra ao discurso de John quando o coruja fala sobre observar pássaros.

"Always... no... sometimes, think it's me. But you know I know when it's a dream. I think... er... no I mean... er... yes, but it's all wrong. That is I think I disagree." (Strawberry Fields Forever - The Beatles)